domingo, 14 de junho de 2015

 A narrativa

FÉDON
– Enquanto estive ao lado de Sócrates minhas impressões pessoais foram, de fato, bem singulares. Na verdade, ao pensamento de que assistia à morte desse homem ao qual me achava ligado pela amizade, não era a compaixão o que me tomava. O que eu tinha sob os olhos, Equécrates, era um homem feliz: feliz, tanto na maneira de comportar-se como na de conversar, tal era a tranquila nobreza que havia no seu fim. E isso, de tal modo que ele me dava a impressão, ele que devia encaminhar-se para as regiões do Hades, de para lá se dirigir auxiliado por um concurso divino, e de ir encontrar no além, uma vez chegado, uma felicidade tal como ninguém jamais conheceu! Por isso é que absolutamente nenhum sentimento de compaixão havia em mim, como teria sido natural em quem era testemunha duma morte iminente. Mas o que eu sentia não era também o conhecido prazer de nossos instantes de filosofia, embora fosse essa, ainda uma vez, a natureza das nossas conversas. A verdade é que havia em minhas impressões qualquer coisa de desconcertante, uma mistura inaudita, feita ao mesmo tempo de prazer e de dor, de dor ao recordar-me que dentro em pouco sobreviria o momento de sua morte! E todos nós, ali presentes, nos sentíamos mais ou menos com a mesma disposição, ora rindo, ora chorando; um de nós, até, mais do que qualquer outro: Apolodoro. Deves saber, com efeito, que homem é ele e qual seja o seu feitio.
EQUÉCRATES
– Sim, bem o sei.
FÉDON
– Nele, esse estado confuso de dor e prazer atingia o auge; mas eu mesmo me encontrava presa duma agitação semelhante, e, da mesma forma, os outros.
EQUÉCRATES
– Mas os que então estiveram a seu lado, Fédon, quais foram?
FÉDON
– Além do mencionado Apolodoro estavam lá, de sua terra, Critobulo com seu pai, e também Hermógenes, Epígenes, Ésquines, e Antístenes. Lá se encontravam ainda Ctesipo de Peânia, Menexeno e alguns outros da mesma região. Platão, creio, estava doente.
EQUÉCRATES
– Havia estrangeiros presentes?
FÉDON
– Sim, havia, notadamente Símias o Tebano, Cebes e Fedondes; e mais, de Mégara, Euclides e Terpsião.
EQUÉCRATES
– Dize-me: Aristipo e Cleômbroto não estavam presentes?
FÉDON
– Não. Dizia-se que andavam por Egina.
EQUÉCRATES
– E quem mais lá estava?
FÉDON
– Creio que foram estes, mais ou menos, todos os que então se encontravam ao seu lado.
EQUÉCRATES
– Bem; e agora, dize, sobre que cousas [coisas] falaram eles?
FÉDON
– Tomando as cousas [coisas] desde o começo, vou esforçar-me por contá-las todas minuciosamente. Sabe, pois, que em nenhum dos dias anteriores havíamos deixado de encontrar-nos, eu e os outros, junto de Sócrates, segundo era nosso hábito. Nosso local de encontro, ao romper do dia, era o tribunal onde se realizava o julgamento, pois ficava próximo à prisão. E assim todos os dias, a conversar, esperávamos que a prisão fosse aberta. Ela não se abria muito cedo; logo, porém, que era franqueada, dirigíamo-nos até onde estava Sócrates, e muitas vezes, passávamos o dia todo em sua companhia. Naquele dia, como deixáramos ajustado, encontramo-nos ainda mais cedo que de costume, porque na véspera, ao sair da prisão pelo entardecer, havíamos sabido que o navio sagrado retornara de Delos. Por isso ficara assentado que nos reuniríamos o mais cedo possível no lugar habitual. Ao chegarmos, o porteiro, vindo ao nosso encontro (era ele quem sempre nos atendia), até pediu-nos que ficássemos por ali e esperássemos para entrar, que nos houvesse chamado. “É, disse ele, que os Onze estão a tirar as correntes de Sócrates e a comunicar-lhe que esse será o seu dia derradeiro.” Depois disso quase não demorou a voltar, e convidou-nos para entrar. Entramos, pois, e encontramos junto a Sócrates, que acabava de ser desagrilhoado, Xantipa (tu a conheces!), que segurava o filho mais novo, sentada ao lado do marido. Assim que ela nos viu, choveram maldições e palavrórios como só as mulheres sabem proferir: “Vê, Sócrates, esta é a última vez que conversam contigo os teus amigos, e tu com eles!” Sócrates lançou um olhar na direção de Críton: “Críton, disse, faze com que a conduzam para casa!” E, enquanto era levada pela gente de Críton, ela se debatia e gritava.

Pergunta-se:
1) Por que Sócrates se achava feliz no dia da sua morte?
2) Por qual motivo Fédon utiliza tantas vezes a palavra "impressão" neste trecho?
3) Por que Sócrates possuía tantos discípulos e admiradores?
4) A que se deve diferença de comportamento entre Sócrates e Xantipa?


domingo, 7 de junho de 2015

Fédon - Introdução

Os textos a seguir dão início ao estudo sistematizado de filosofia para o ensino médio.

PLATÃO. Fédon, In: Diálogos: O Banquete - Fédon - Sofista - Político. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 55-126.


Aula 1 - Fédon 

Introdução

EQUÉCRATES
- Estiveste, Fédon, ao lado de Sócrates, no dia em que ele bebeu o veneno na prisão? Ou acaso sabes, por outrem, o que lá se passou?
FÉDON
- Lá estive em pessoa, Equécrates.
EQUÉCRATES
- E então, de que coisas falou ele antes de morrer? Qual foi o seu fim? Isso eu gostaria de saber, pois atualmente não há nenhum de meus concidadãos de Flionte que esteja em Atenas, e de lá, faz muito tempo, que não nos vem nenhum estrangeiro capaz de nos dar informações seguras, a não ser que Sócrates morreu após ter bebido o veneno. Mas, quanto ao mais, ninguém nada nos soube relatar.
FÉDON
- Não sabeis, tampouco, nada também a respeito das circunstâncias do seu julgamento?
EQUÉCRATES
- Sim, dele tivemos alguma informação. E uma das coisas, mesmo, que muito nos surpreendeu foi ter ocorrido sua morte muito tempo depois do julgamento. Que houve, Fédon?
FÉDON
- Houve no seu caso, Equécrates, uma coincidência fortuita: a do dia que precedeu ao julgamento com a coroação da popa do navio que os atenienses mandam a Delos.
EQUÉCRATES
- E que navio é este?
FÉDON
- Segundo conta a tradição, é o navio no qual Teseu transportou outrora os sete moços e as sete moças que deviam ser levados para Creta. Ele os salvou e salvou a si mesmo. E assim, como a Cidade houvesse feito a Apolo, segundo se diz, a promessa de enviar todos os anos uma peregrinação a Delos se daquela vez os jovens fossem salvos, desde aquele fato até o presente se continuou a fazer essa peregrinação ao templo do deus. Manda uma lei do país que, a partir do momento em que se começa a tratar da peregrinação e enquanto ela dura, a Cidade não seja maculada por nenhuma execução capital em nome do povo, até a chegada do navio a Delos e sua volta ao porto. Às vezes, quando os ventos são contrários, sucede ser longa a travessia. Além disso, a peregrinação começa no dia em que o sacerdote de Apolo coroa a popa do navio, e aconteceu, como vos disse, que tal fato se realizou no dia que precedeu o julgamento. Foi por esse motivo que Sócrates, entre o julgamento e a morte, teve de passar tanto tempo na prisão.
EQUÉCRATES
- Mas quanto às circunstâncias da própria morte, Fédon? Que foi o que se disse e fez então? Quais de seus discípulos se achavam a seu lado? Os magistrados não lhes permitiram assistir a seu fim, ou este foi, pelo contrário, privado de amizade?
FÉDON
- Não, não. A verdade é que vários o presenciaram, um bom número mesmo.
EQUÉCRATES
- Apressa-te, pois, a contar-nos todas essas coisas com a maior exatidão possível, a menos que algo te impeça.
FÉDON
- Não, realmente nada tenho que fazer no momento, e tratarei de vos dar uma descrição minuciosa. Aliás, nada há para mim que seja tão agradável como recordar-me de Sócrates, seja que eu mesmo fale dele, seja que ouça alguém fazê-lo!
EQUÉCRATES
- Pois, Fédon, encontras em idêntica disposição a todos os que te vão escutar. Portanto, procura ser o mais exato possível e nada esquecer.
Páginas 57-58

Pergunta-se:

Quem é Sócrates?
Por que foi condenado à morte?
Quem foi Teseu? 
Qual a relação entre Teseu e Sócrates?
Por que a sentença contra Sócrates demorou a ser executada?
Por que ele tinha discípulos?