segunda-feira, 18 de maio de 2020

Pandemia 2020

        Estamos vivendo nos últimos meses aquilo que os cientistas definem como pandemia. Essa experiência tem nome e sobrenome: coronavírus, covid-19. Sim, é de conhecimento da maioria da população mundial a disseminação de um vírus letal e ao mesmo tempo ameaçador. Pois, mesmo aqueles que não se infectam não controlam a presença do vírus, isto é, onde ele se encontra. Portanto, nossa única alternativa é o isolamento social. 
           Mas, então, qual seria o problema? O problema é que estamos falando do Brasil, um país onde a desigualdade é naturalizada, a favela é lugar-comum, 55 milhões de pessoas do país são declaradas invisíveis pelo governo [até a chegada do vírus estas pessoas não eram reconhecidas pelo governo federal, como se não existissem]. 
           38 milhões de brasileiros trabalham na informalidade, falta saneamento básico, água encanada, habitação digna, higiene e alimentação diária para milhões de pessoas que vivem em cidades de norte a sul do país. Como combater de forma eficaz essa doença se os recursos mínimos não chegam aos lares brasileiros? 
        Todas essas mazelas eram escondidas pela rotina cotidiana em que as pessoas eram lançadas: preocupação com o pão de cada dia, novelas, shopping centers, futebol, drogas, violência, todo tipo de crimes e a ignorância vivida por boa parte da população. Omissão de seus direitos, dignidade ferida, riqueza nacional, subtraída da população trabalhadora para o bolso de uma minoria: a elite dominante. Como culpar o vírus?


terça-feira, 4 de abril de 2017

ROUSSEAU JEAN-JACQUES 
capítulo II
Das primeiras sociedades

    A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família; ainda assim só se prendem os filhos ao pai enquanto dele necessitam para a própria conservação. Desde que tal necessidade cessa, desfaz-se o liame natural. Os filhos, isentos da obediência que devem ao pai, e este, isento dos cuidados que deve aos filhos, voltam todos a ser igualmente independentes. Se continuam unidos, já não é natural, mas voluntariamente, e a própria família só se mantém por convenção. 
    Essa liberdade comum é uma consequência da natureza do homem. Sua primeira lei consiste em zelar pela própria conservação, seus primeiros cuidados são aqueles que se deve a si mesmo, e, assim que alcança a idade da razão, sendo o único juiz dos meios adequados para conservar-se, torna-se, por isso, senhor de si.
    A família é, pois, se assim se quiser, o primeiro modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem do pai; o povo, a dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio. A diferença toda está em que, na família, o amor do pai pelos filhos o paga pelos cuidados que lhes dispensa, enquanto no Estado o prazer de mandar substitui tal amor, que o chefe não dedica a seus povos.
    Grotius nega que todo o poder humano se estabeleça em favor daqueles que são governados: cita, como exemplo, a escravidão. Sua maneira mais comum de raciocinar é sempre estabelecer o direito pelo fato. Poder-se-ia recorrer a método mais consequente, não, porém, mais favorável aos tiranos.
    Resta, pois, em dúvida, segundo Grotius, se o gênero humano pertence a uma centena de homens ou se esses cem homens pertencem ao gênero humano. No decorrer de todo o seu livro parece inclinar-se pela primeira suposição, sendo essa também a opinião de Hobbes. Vemos assim, a espécie humana dividida como manadas de gado, tendo cada uma seu chefe, que a guarda para devorá-la.
    Assim como um pastor é de natureza superior à de seu rebanho, os pastoresde homens, que são os chefes, também possuem natureza superior à de seus povos. Desse modo - segundo Filo - raciocinava o imperador Calígula, chegando, por essa analogia, à fácil conclusão de que os reis eram deuses, ou os povos, animais.
    O raciocínio de Calígula leva ao de Hobbes e ao de Grotius. Aristóteles, antes de todos eles, também dissera que os homens em absoluto não são naturalmente iguais, mas nascem uns destinados à escravidão e outros à dominação.
    Aristóteles tinha razão, mas tomava o efeito pela causa. Todo homem nascido na escravidão, nasce para ela; nada mais certo. Os escravos tudo perdem sob seus grilhões, até o desejo de escapar deles; amam o cativeiro como os companheiros de Ulisses amavam o seu embrutecimento. Se há, pois, escravos pela natureza, é porque houve escravos contra a natureza. A força fez os primeiros escravos, sua covardia os perpetuou.
    Nada disse do rei Adão, nem do imperador Noé, pai dos três grandes monarcas que dividiram entre si o universo, como o fizeram os filhos de Saturno, que muitos julgaram reconhecer neles. Espero que apreciem minha moderação, pois, descendendo diretamente de um desses príncipes, e talvez do ramo mais velho, quem sabe se não chegaria, depois da verificação dos títulos, à conclusão de ser eu o legítimo rei do gênero humano? Seja como for, não se pode deixar de concordar quanto a ter sido Adão o soberano do mundo, como o foi Robinson em sua ilha, por isso que era único habitante da terra, e o que havia de cômodo nesse império era o monarca, firme em seu trono, não temer rebeliões, guerras ou conspiradores.

quarta-feira, 22 de março de 2017

ROUSSEAU, JEAN-JACQUES. DO CONTRATO SOCIAL. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,1973.
Parte I

Introdução

    Quero indagar se  pode existir, na ordem civil, alguma regra de administração legítima e segura tomando os seres humanos como são e as leis como podem ser. Esforçar-me-ei sempre, nessa procura, para unir o direito permite ao que o interesse prescreve, a fim de que não fiquem separadas a justiça e a utilidade.
    Entro na matéria sem demonstrar a importância de meu assunto. Perguntar-me-ão se sou príncipe ou legislador, para escrever sobre a política. Respondo que não, e que é por isso que escrevo sobre política. Se fosse príncipe ou legislador, não perderia meu tempo, dizendo o que deve ser feito; haveria de fazê-lo, ou calar-me.
    Tendo nascido cidadão de um Estado livre e membro do Soberano, embora fraca seja a influência que minha opinião possa ter nos negócios públicos, o direito de neles votar basta para impor o dever de me instruir-me a seu respeito, sentindo-me feliz todas as vezes que medito sobre os governos, por sempre encontrar, em minhas cogitações, motivos para amar o governo do meu país!

Capítulo I

Objeto deste primeiro livro

    O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se em ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver tal questão.
    Se considerasse somente a força e o efeito que dela resulta, diria: "Quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda, porque, recuperando a liberdade pelo mesmo direito por que lha arrebataram, ou tem ele o direito de retomá-la ou não o tinham de subtraí-la". 
    A ordem social, porém, é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza: funda-se portanto, em convenções. Trata-se, pois, de saber que convenções são essas. Antes de alcançar esse ponto, preciso deixar estabelecido o que acabo de adiantar.



domingo, 14 de junho de 2015

 A narrativa

FÉDON
– Enquanto estive ao lado de Sócrates minhas impressões pessoais foram, de fato, bem singulares. Na verdade, ao pensamento de que assistia à morte desse homem ao qual me achava ligado pela amizade, não era a compaixão o que me tomava. O que eu tinha sob os olhos, Equécrates, era um homem feliz: feliz, tanto na maneira de comportar-se como na de conversar, tal era a tranquila nobreza que havia no seu fim. E isso, de tal modo que ele me dava a impressão, ele que devia encaminhar-se para as regiões do Hades, de para lá se dirigir auxiliado por um concurso divino, e de ir encontrar no além, uma vez chegado, uma felicidade tal como ninguém jamais conheceu! Por isso é que absolutamente nenhum sentimento de compaixão havia em mim, como teria sido natural em quem era testemunha duma morte iminente. Mas o que eu sentia não era também o conhecido prazer de nossos instantes de filosofia, embora fosse essa, ainda uma vez, a natureza das nossas conversas. A verdade é que havia em minhas impressões qualquer coisa de desconcertante, uma mistura inaudita, feita ao mesmo tempo de prazer e de dor, de dor ao recordar-me que dentro em pouco sobreviria o momento de sua morte! E todos nós, ali presentes, nos sentíamos mais ou menos com a mesma disposição, ora rindo, ora chorando; um de nós, até, mais do que qualquer outro: Apolodoro. Deves saber, com efeito, que homem é ele e qual seja o seu feitio.
EQUÉCRATES
– Sim, bem o sei.
FÉDON
– Nele, esse estado confuso de dor e prazer atingia o auge; mas eu mesmo me encontrava presa duma agitação semelhante, e, da mesma forma, os outros.
EQUÉCRATES
– Mas os que então estiveram a seu lado, Fédon, quais foram?
FÉDON
– Além do mencionado Apolodoro estavam lá, de sua terra, Critobulo com seu pai, e também Hermógenes, Epígenes, Ésquines, e Antístenes. Lá se encontravam ainda Ctesipo de Peânia, Menexeno e alguns outros da mesma região. Platão, creio, estava doente.
EQUÉCRATES
– Havia estrangeiros presentes?
FÉDON
– Sim, havia, notadamente Símias o Tebano, Cebes e Fedondes; e mais, de Mégara, Euclides e Terpsião.
EQUÉCRATES
– Dize-me: Aristipo e Cleômbroto não estavam presentes?
FÉDON
– Não. Dizia-se que andavam por Egina.
EQUÉCRATES
– E quem mais lá estava?
FÉDON
– Creio que foram estes, mais ou menos, todos os que então se encontravam ao seu lado.
EQUÉCRATES
– Bem; e agora, dize, sobre que cousas [coisas] falaram eles?
FÉDON
– Tomando as cousas [coisas] desde o começo, vou esforçar-me por contá-las todas minuciosamente. Sabe, pois, que em nenhum dos dias anteriores havíamos deixado de encontrar-nos, eu e os outros, junto de Sócrates, segundo era nosso hábito. Nosso local de encontro, ao romper do dia, era o tribunal onde se realizava o julgamento, pois ficava próximo à prisão. E assim todos os dias, a conversar, esperávamos que a prisão fosse aberta. Ela não se abria muito cedo; logo, porém, que era franqueada, dirigíamo-nos até onde estava Sócrates, e muitas vezes, passávamos o dia todo em sua companhia. Naquele dia, como deixáramos ajustado, encontramo-nos ainda mais cedo que de costume, porque na véspera, ao sair da prisão pelo entardecer, havíamos sabido que o navio sagrado retornara de Delos. Por isso ficara assentado que nos reuniríamos o mais cedo possível no lugar habitual. Ao chegarmos, o porteiro, vindo ao nosso encontro (era ele quem sempre nos atendia), até pediu-nos que ficássemos por ali e esperássemos para entrar, que nos houvesse chamado. “É, disse ele, que os Onze estão a tirar as correntes de Sócrates e a comunicar-lhe que esse será o seu dia derradeiro.” Depois disso quase não demorou a voltar, e convidou-nos para entrar. Entramos, pois, e encontramos junto a Sócrates, que acabava de ser desagrilhoado, Xantipa (tu a conheces!), que segurava o filho mais novo, sentada ao lado do marido. Assim que ela nos viu, choveram maldições e palavrórios como só as mulheres sabem proferir: “Vê, Sócrates, esta é a última vez que conversam contigo os teus amigos, e tu com eles!” Sócrates lançou um olhar na direção de Críton: “Críton, disse, faze com que a conduzam para casa!” E, enquanto era levada pela gente de Críton, ela se debatia e gritava.

Pergunta-se:
1) Por que Sócrates se achava feliz no dia da sua morte?
2) Por qual motivo Fédon utiliza tantas vezes a palavra "impressão" neste trecho?
3) Por que Sócrates possuía tantos discípulos e admiradores?
4) A que se deve diferença de comportamento entre Sócrates e Xantipa?


domingo, 7 de junho de 2015

Fédon - Introdução

Os textos a seguir dão início ao estudo sistematizado de filosofia para o ensino médio.

PLATÃO. Fédon, In: Diálogos: O Banquete - Fédon - Sofista - Político. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 55-126.


Aula 1 - Fédon 

Introdução

EQUÉCRATES
- Estiveste, Fédon, ao lado de Sócrates, no dia em que ele bebeu o veneno na prisão? Ou acaso sabes, por outrem, o que lá se passou?
FÉDON
- Lá estive em pessoa, Equécrates.
EQUÉCRATES
- E então, de que coisas falou ele antes de morrer? Qual foi o seu fim? Isso eu gostaria de saber, pois atualmente não há nenhum de meus concidadãos de Flionte que esteja em Atenas, e de lá, faz muito tempo, que não nos vem nenhum estrangeiro capaz de nos dar informações seguras, a não ser que Sócrates morreu após ter bebido o veneno. Mas, quanto ao mais, ninguém nada nos soube relatar.
FÉDON
- Não sabeis, tampouco, nada também a respeito das circunstâncias do seu julgamento?
EQUÉCRATES
- Sim, dele tivemos alguma informação. E uma das coisas, mesmo, que muito nos surpreendeu foi ter ocorrido sua morte muito tempo depois do julgamento. Que houve, Fédon?
FÉDON
- Houve no seu caso, Equécrates, uma coincidência fortuita: a do dia que precedeu ao julgamento com a coroação da popa do navio que os atenienses mandam a Delos.
EQUÉCRATES
- E que navio é este?
FÉDON
- Segundo conta a tradição, é o navio no qual Teseu transportou outrora os sete moços e as sete moças que deviam ser levados para Creta. Ele os salvou e salvou a si mesmo. E assim, como a Cidade houvesse feito a Apolo, segundo se diz, a promessa de enviar todos os anos uma peregrinação a Delos se daquela vez os jovens fossem salvos, desde aquele fato até o presente se continuou a fazer essa peregrinação ao templo do deus. Manda uma lei do país que, a partir do momento em que se começa a tratar da peregrinação e enquanto ela dura, a Cidade não seja maculada por nenhuma execução capital em nome do povo, até a chegada do navio a Delos e sua volta ao porto. Às vezes, quando os ventos são contrários, sucede ser longa a travessia. Além disso, a peregrinação começa no dia em que o sacerdote de Apolo coroa a popa do navio, e aconteceu, como vos disse, que tal fato se realizou no dia que precedeu o julgamento. Foi por esse motivo que Sócrates, entre o julgamento e a morte, teve de passar tanto tempo na prisão.
EQUÉCRATES
- Mas quanto às circunstâncias da própria morte, Fédon? Que foi o que se disse e fez então? Quais de seus discípulos se achavam a seu lado? Os magistrados não lhes permitiram assistir a seu fim, ou este foi, pelo contrário, privado de amizade?
FÉDON
- Não, não. A verdade é que vários o presenciaram, um bom número mesmo.
EQUÉCRATES
- Apressa-te, pois, a contar-nos todas essas coisas com a maior exatidão possível, a menos que algo te impeça.
FÉDON
- Não, realmente nada tenho que fazer no momento, e tratarei de vos dar uma descrição minuciosa. Aliás, nada há para mim que seja tão agradável como recordar-me de Sócrates, seja que eu mesmo fale dele, seja que ouça alguém fazê-lo!
EQUÉCRATES
- Pois, Fédon, encontras em idêntica disposição a todos os que te vão escutar. Portanto, procura ser o mais exato possível e nada esquecer.
Páginas 57-58

Pergunta-se:

Quem é Sócrates?
Por que foi condenado à morte?
Quem foi Teseu? 
Qual a relação entre Teseu e Sócrates?
Por que a sentença contra Sócrates demorou a ser executada?
Por que ele tinha discípulos?